\'dʒɛt læg\ [Língua: Inglês]
locução substantiva (1969)
locução substantiva (1969)
alteração do
ritmo biológico de 24 horas consecutivas, que ocorre após mudanças do fuso
horário em longas viagens de avião, caracterizada por problemas físicos e
psíquicos, esp. do ciclo do sono, devido a distúrbio dos níveis hormonais de
hidrocortisona [Mais frequente em viagens para o leste (que encurtam o dia) do
que para o oeste.]
***
“Vcs não voltam
mais não? Recomendo que não voltem mesmo.”
Restavam ainda
alguns dias de viagem quando recebi essa mensagem de uma amiga querida. Sendo
ela uma amiga querida, e bem-humorada, entendi rapidamente que fazia referência
ao bizarro ambiente político, econômico e social que nos aguardava.
Mas ainda
restavam alguns dias de viagem, o céu já não era o do Tejo, nem ostentava
aquela paleta de laranjas e rosas. A temperatura começava negativa e não
passava dos 7 graus. Estávamos em Amsterdam, Amsterdã, Amesterdão.
A viagem de Madri parece coisa de outra
vida e a temporada de Lisboa sabe a passado, leio no caderninho amarelo. Em três páginas, oito vezes escrevi “frio”. A ocorrência de palavras como “inverno”, “chuva”, “calefação”,
“chocolate quente”, “café” e “chá de menta fresca” torna o rascunho um eficiente
termômetro da viagem.
Só que escrevo
agora, recorrendo à memória mental e escrita, num calor ameno, sentada na minha
cadeira, 13 dias depois de aterrissar no Rio, já com saudades e com o sentimento
de que nada faz muito sentido num momento em que tudo se tornou desimportante – muito menos escrever um blog destinado à
estadia em outro país.
Então folheio o
caderno e relembro o instante em que quase fui esmagada pelas portas do trem que
liga o aeroporto de Schiphol à Estação Central de Amsterdam. Relembro a chegada
à praça da estação, o deslumbramento nos olhos do Tico, minhas mãos geladas carregando
os 28 quilos de roupas e livros por sobre os trilhos do tram, as ruas planas,
limpas e eficientes da cidade, a miríade de cafés e mercearias e bistrôs
aconchegantes, charmosos, hipsters. A eloquência e a gentileza dos
holandeses e seu espanto diante de turistas que pedem informação sobre como
chegar andando a determinado destino: “Vocês não estão de bicicleta?!”.
E me lembro da
tarde em que ouvi a poesia contemporânea brasileira ser apresentada, em inglês,
pelo meu poeta favorito, a uma plateia de brasileiros, portugueses e
holandeses, em um edifício construído em 1880 – originalmente uma garagem de
carruagens – que hoje abriga o Teatro Munganga.
Provavelmente
não faz mesmo muito sentido escrever sobre isso já no Brasil e publicar este
texto num blog chamado O céu do Tejo, sobretudo neste momento que atravessamos.
Descabido dizer
que pela primeira vez entendi de fato o que é jet lag e que à descrição do Houaiss eu acrescentaria ainda “choque
térmico” e “choque (sic) democrático” (gracias, Panga).
Mas é que faz 13
dias que aterramos e sinto uma saudade enorme de ouvir “aterrar”, “imenso”, “se
calhar”, “engate”, “beijinhos” e “descolagem” – ainda que a TAP estrague a
minha mala e me submeta a 10 horas de voo sem a possibilidade de assistir a um
filme. É que faz 13 dias que aterramos e preciso registrar essa viagem, não me
esquecer das pessoas, dos bichos.
Falar de Momo, António,
Mallu, Marcelo, Luísa, Inez, Pierre, Anas, Marisa, Carla, Alexandra, Irina, Joaquim,
Yara, Shanti, Bibiana e Joris. Contar de Albano, o gato lutador de sumô, que
exige carinho com cabeçadas potentes e atrapalhadas, e da pequenina Mitsy, gata
com olhos de desenho animado, miado frágil de bibelô. Falar dos papagaios
clandestinos contrabandeados do Brasil por uma velhinha holandesa que vivia no
Vondelpark, e de como eles se reproduziram e se espalharam por Amsterdã. E
sobre como essa história novelesca torna a cidade muito mais real, menos
perfeita e, por isso, mais atraente.
Para que
escrever sobre isso tudo, aqui no Rio, amenos 26 graus, sujeitos a trovões,
panelaços e guerra civil?
Escrever sobre
isso tudo, sentada aqui na minha cadeira, o gato vagando pelo escritório e o
sentimento de que no fundo ainda não voltei.
Adorei o "história novelesca", merengue, pq sempre suspeito de quem fala mal de novela, embora ache q vc esteja se referindo mais ao gênero literário do que ao televisivo.
ResponderExcluirEu acho que essa história renderia uma ótima novela - televisiva e literária. Imagina essa velhinha como uma personagem de Gilberto Braga, que maravilhoso?
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